quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sobre o amar




Enquanto ela se arruma, o mundo para. O mundo dela, onde só existe o homem que aguarda. Nessa casa sem vínculos, vazio perfeito para encontros clandestinos. Ela tenta fazer, daquele quase nada, algo acolhedor. Quer oferecer, alimentar, provar o aconchego que crê que ele mereça. Porque ele é seu homem. Só seu, durante o tempo em que estiver naquela casa. Lar sem lembranças nem porta-retratos. Ilusão que ela finge não notar, e durará apenas o tempo livre daquele que espera. Já que ele não é dela e ela não é dele- embora se prepara como se fosse. Quer que o vazio esteja lindo, sem saber que lindo seria vê-la assim, acreditando num amor-para-sempre, que termina antes do anoitecer. Não é ingênua e nem cínica, é uma mulher; e gosta desse jogo, mesmo sabendo que, nele, nunca há vencedoras. Perdedora ou perdida, sente-se excitada. Quase aborrecida, por ele estar atrasado. Lembra, porém, de mais alguns detalhes que faltam no paraíso que quer ofertar. Circula pela casa, toma um vinho, escreve um poema. Vai tentar convencê-lo de quanto ela é perfeita. Ela escreve versos. Ela é livre, mas sabe cozinhar. Escuta um barulho, a seu corpo treme inteiro - ainda não é ele. Tenta ficar calma, mas seu coração, agora, não bate, estala, como um delicado cristal que, num brinde, trinca. Serve-se mais uma taça de vinho. Sente uma certa vontade de chorar. Tenta se distrair. Pode brincar um pouco enquanto ele não chega? Decide que sim, imaginando tudo que gostaria de fazer com ele. Algumas coisas que nunca fez, inclusive. Mas ele demora demais, e ela prefere não mexer onde não deve. O primeiro prazer daquela tarde deverá ser com ele, por ele. Mesmo reconhecendo que, no quarto escuro de sua mente, faça o que quiser, com quem quiser. Ele não precisa saber disso. Nenhum homem precisa saber que é na imaginação que a mulher esconde o tal ponto G. Ri. Vê a hora, começa ficar realmente irritada. Mais uma taça de vinho e o seu coração de vidro estalará mais forte, talvez forte demais. Tornando-a mais intensa em sua poesia e menos preocupada com refeição que esfria. Que casa é essa, afinal? Decide macular o branco daquele local asséptico. O mundo, afinal, não é apenas o local que seu homem habita - homem que nem é tão seu. E tudo fica melhor quando está tudo bagunçado. Então, desarruma tudo.

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