domingo, 31 de outubro de 2010

História escrita a lápis



Interrompida, caiu uma vírgula por aí.
Minha oração nunca será ouvida. Me perdi no meio dos sentidos. História escrita a lápis, lápis-borracha para tudo ser mais prático. Escrita de qualquer jeito, torta, em linhas invisíveis. Com um início de perder o fôlego, mas com um eterno três pontinhos num final que nem existe. Os três pontinhos são o que me matam, ponto final seria a dureza clara e o fim da história, três pontinhos são o que me matam. Uma história pra adultos, escrita por crianças. Você sem saber viver de tantas vidas por aí, eu sem conseguir viver porque virei sua hospedeira.
Quis sugar sua vida perdida, e me perdi.
Incapaz de me sentir por medo de ser inteira, saio sentindo e sendo os outros. Quis ser você inteiro, morar aí dentro, bombear e mandar nas suas veias. Mas você é tão livre, tão acima do chão. Tão acima de minha cabeça. Da minha cabeça que está aos seus pés. Sinto o arrepio frio nas costas da bandeja de vidro que eu trouxe pra você. Nela estou deitada, entregue. Mas tudo isso pode se quebrar a qualquer momento. A reconstrução eterna dos meus sonhos que já nascem fragmentados para que eu possa engolir tudo aos poucos. Mas de nada adianta, estou eu aqui de novo, mas mais uma vez tão única e surpresa, engasgada até onde se pode sentir falta de ar. Engasgada de você ir embora, engasgada de você voltar. Engasgada de você sempre sorrir. Você não passou pelos meus buracos e eu não consegui te entender no quentinho seguro do meu ventre. Você travou todas as minhas entradas, você me incha por dentro e eu nem sei se vale a pena explodir porque você é surdo e cego. De que vale eu deixar de existir se você não me percebe? Sigo inchada, sigo cheia de coisas para cuspir em você, sigo pontuada por esses batimentos cardíacos que descem quando te vejo. Poesia sem rima porque não somos bregas e a vida sem sentidos e sem encaixe é a loucura que une nossas doenças. Estrofes com métrica, porque sabemos exatamente o que queremos, apenas não rimamos para que não exista cumplicidade. Uma história começada como a necessidade obscena e idiota de coçar o saco. E terminada pela saciedade obscena e idiota de o saco já ter sido coçado. Tudo tão simples como expelir algo fisiológico. Narração de sujeito oculto para mim: meus sentimentos escondidos até o fim. Uma redação com margem, tamanho e estilo impostos para você. Um diário sem limites para mim.
E você continua indo embora, e eu continuo ficando, vendo você levar partes de mim que antes eu nem sentia falta. E você continua escrevendo sua história pulando linhas, errando palavras, esquecendo os títulos. E eu continuo escrevendo seu nome com letras cheias, para tentar preencher você de alguma maneira. Pra tentar deixar tangível a sua existência.

Apenas Coragem

Se você me ligasse a gente poderia ter uma conversa séria a respeito da solidão e do tédio do mundo e resolver ser feliz pra sempre. A gente poderia resolver isso e depois resolver que o mundo tem suas limitações e depois resolver que não tem limitação coisa nenhuma. A gente poderia mudar de opinião juntos e tornar a vida menos solitária e tediosa.
Olha, é simples, são oito números e uma única chance de conhecer uma mulher super bacana. Que, sim, tem chulé às vezes, tem bafo às vezes, tem ataques de histeria, ciúme e infantilidade às vezes. tá bom, é mais do que às vezes, mas se você me ocupar com bom papo e carinho, eu juro que esqueço um pouco meu lado que não sabe se relacionar.



Porque antes de apagar, na última caixinha do fundo da última cabeça que ainda faz a última força, fica a voz dele "eu só queria te ajudar". 


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

apenas uma flor

Olhei à minha volta. Não havia testemunhas do meu momento de fraqueza. Quando pus a mão no chão para me levantar, reparei que tinha uma flor junto de mim. Olhei de novo à minha volta. Ninguém. Apenas silencio. Peguei na flor. Levantei-me…Senti o teu calor. A tua mão na minha barriga a puxar-me para ti. As minhas costas contra o teu peito. Virei-me e olhei-te nos olhos. Num segundo vi o meu mundo no teu olhar e a minha vida no teu sorriso lindo. Abraçaste-me e deste-me um beijo na testa. Empurraste-me carinhosamente contra a parede de uma casa vazia e sem vida que assistia a tudo. Agarraste as minhas mãos, olhaste e viste-me ali completamente tua…

Pixaram o muro de uma escola ...






Pixaram as paredes com letras garrafais na imensidão de um muro negro onde agora podia ler-se: "Eu amo você", como puderam píxar o muro da escola? Pixaram em letras cor de sangue, letras trêmulas e a tinta ainda estava fresca, escorria. Pixaram o muro pela manhã e o muro agora parecia sangrar. Pixaram o muro pouco antes do zelador chegar e ele pode ouvir passos de alguém que corria velosmente ou seriam mais pessoas? O zelador sonolento como estava só pode dizer: -pixaram, pixaram!
Sangraram o muro negro.Feriram o diretor com tais palavras, ele não sabia amar. Iludiram meninas que por ali passavam suspirango, agora.Ofenderam os meninos até então certos do domínio. Escandalizaram mães que criaram sermões intermináveis de onde o mundo iria parar.Chocaram enfim, a todos, e de todos ninguém sabe pra quem foi gritado em letras o: "Eu amo você."
Pixaram, rasgaram, feriram, gravaram, sangraram, um muro, um muro negro, com letras incertas. Correram para longe do muro que sangrava. Pixaram o muro e muitos leram o que lá foi escrito e muitos desejaram tais palavras, mas aquelas palavras a nenhum deles foram ditas.


'' ..Me alimento de vento. E desmaio, jogada ao relento.
Tento, tanto, levanto.
Levanto e me espanto.
Sumiu a parede que me servia de apoio.
Eu bem a deixei por aquele canto... ''

Breve recado

Abre essa porta! Que direito você tem de me privar desse castelo que eu construí pra te guardar de todo mal? Desse universo que eu desenhei pra nós, pra nós? Abre essa porta, não se faz de morto. Diz o que é que foi! Já que eu larguei tudo pra ti; já que eu cerquei tudo ao redor. Abre essa porta, vai, por favor?

Cala essa boca, que isso é coisa pouca perto do que passei. Eu que lavei os seus lençóis sujos de tantas outras paixões, e ignorei as outras muitas, muitas.

Vai, depois liga. Diz pra sua irmã passar que eu vou mandar tudo que é seu que tem aqui. Tudo que eu não quero guardar. Que é pra esquecer de uma só vez que este castelo só me prendeu, viu? Mas o universo hoje se expandiu! E aqui de dentro a porta se abriu.


quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sobre o amar




Enquanto ela se arruma, o mundo para. O mundo dela, onde só existe o homem que aguarda. Nessa casa sem vínculos, vazio perfeito para encontros clandestinos. Ela tenta fazer, daquele quase nada, algo acolhedor. Quer oferecer, alimentar, provar o aconchego que crê que ele mereça. Porque ele é seu homem. Só seu, durante o tempo em que estiver naquela casa. Lar sem lembranças nem porta-retratos. Ilusão que ela finge não notar, e durará apenas o tempo livre daquele que espera. Já que ele não é dela e ela não é dele- embora se prepara como se fosse. Quer que o vazio esteja lindo, sem saber que lindo seria vê-la assim, acreditando num amor-para-sempre, que termina antes do anoitecer. Não é ingênua e nem cínica, é uma mulher; e gosta desse jogo, mesmo sabendo que, nele, nunca há vencedoras. Perdedora ou perdida, sente-se excitada. Quase aborrecida, por ele estar atrasado. Lembra, porém, de mais alguns detalhes que faltam no paraíso que quer ofertar. Circula pela casa, toma um vinho, escreve um poema. Vai tentar convencê-lo de quanto ela é perfeita. Ela escreve versos. Ela é livre, mas sabe cozinhar. Escuta um barulho, a seu corpo treme inteiro - ainda não é ele. Tenta ficar calma, mas seu coração, agora, não bate, estala, como um delicado cristal que, num brinde, trinca. Serve-se mais uma taça de vinho. Sente uma certa vontade de chorar. Tenta se distrair. Pode brincar um pouco enquanto ele não chega? Decide que sim, imaginando tudo que gostaria de fazer com ele. Algumas coisas que nunca fez, inclusive. Mas ele demora demais, e ela prefere não mexer onde não deve. O primeiro prazer daquela tarde deverá ser com ele, por ele. Mesmo reconhecendo que, no quarto escuro de sua mente, faça o que quiser, com quem quiser. Ele não precisa saber disso. Nenhum homem precisa saber que é na imaginação que a mulher esconde o tal ponto G. Ri. Vê a hora, começa ficar realmente irritada. Mais uma taça de vinho e o seu coração de vidro estalará mais forte, talvez forte demais. Tornando-a mais intensa em sua poesia e menos preocupada com refeição que esfria. Que casa é essa, afinal? Decide macular o branco daquele local asséptico. O mundo, afinal, não é apenas o local que seu homem habita - homem que nem é tão seu. E tudo fica melhor quando está tudo bagunçado. Então, desarruma tudo.